quarta-feira, 18 de abril de 2012

Miolomolices :: Luana Vignon

eu, aos 5 anos
Aprendi a ler aos 5 anos de idade. Minha avó, Maria de Lourdes, ensinou-me a decodificar e a valorizar a palavra escrita, a ler e falar corretamente, respeitando a nossa língua, tão bela. Lembro-me de pedir repetidas vezes para que ela lesse os contos de fadas para mim, as palavras me encantavam e sua voz era tão doce que imitava um abraço.
Logo quis eu mesma ler sozinha, desconfiava que os adultos omitissem partes importantes da história ou mudassem uma ou outra intenção. Ler para mim mesma foi um ato de independência, embora ainda fosse muito agradável ouvir as histórias através da acalentadora voz de minha querida avó.
Não tardou para que eu passasse a escrever minhas próprias histórias. Meu vocabulário crescia na mesma medida em que cresciam minhas pernas. Em pouco tempo eram longas as minhas caminhadas pela literatura, como criadora e como criatura.
“A menina que sonhava e sonhou” de Jorge Miguel Marinho, ocupa um lugar especial em minha memória afetiva. Foi o primeiro livro que atravessou a fronteira do lazer e tocou fundo em emoções e dúvidas que eu secretamente guardava no fundinho da alma. Trata-se do meu livro de estimação, ao ouvir essa história percebi um canal de comunicação entre mim e os adultos. A personagem Madza passou a ser minha porta-voz.
Anos depois, li esse livro para minha filha Iara, que se identificou prontamente com Madza, uma menina “sonhadora, sonhadeira, sonhadenta” como nós. Hoje ele repousa na pequena estante de uma leitora-mirim voraz. O hábito da leitura sempre esteve presente em sua vida, é comum vê-la carregar um peso extra na mochila do colégio, pois, “vai que sobra um tempinho no recreio...”
Em 2004, quando Iara tinha 3 anos, uma situação se repetia. Sempre que eu tentava ler uma história, ela se metia no enredo e mudava tudo: “Nada disso, mãe. Esse príncipe não combina com essa princesa. Deixa eu contar essa história direito.”
Assim, começamos a recriar livremente - depois de ler - as histórias mais conhecidas. Percebi que a imaginação dela não conhecia regras. Tudo era possível. Comecei a pensar em como seria escrever um livro infantil a partir da “lógica” de uma criança de 3 anos, com todas as suas impossibilidades e loucurinhas. Esse foi o embrião do que se tornaria, em 2011, o Projeto Miolo Mole.
Hoje trabalho como mediadora de leitura, com crianças de 3 a 10 anos. As oficinas abordam a leitura literária como uma atividade prazerosa por si só, sem outros suportes como música ou teatro. Somos apenas nós, os livros e nossa imaginação. Minha filha me ajuda, indica alguns livros e critica outros. Certo dia, ao pedir sua opinião ela disse:
“Isso não parece muito um livro para criança.”
“Ah, é porque ele tem um estilo diferente.” – respondi.
“Mãe, criança não gosta de estilo. Criança gosta de coisas como brincar descalça na rua”.
Lembrei-me imediatamente do poeta Manoel de Barros, um menino grande que não acostumou o olhar e com isso extraiu poesia dos eventos mais simples e corriqueiros, como quem brinca descalço na rua. Os sonhos dele, assim como os nossos, não envelheceram e sim “meninaram”, tornaram-se crianças novamente.
Ser mediadora é um sonho realizado e que se renova a cada dia. O livro é como uma ponte, eu levo uma pequena cesta de guloseimas e trago de volta um grande pote de sabedoria.
Em uma das oficinas de leitura do Projeto Miolo Mole conheci uma garotinha de 7 anos chamada Larissa, a mãe havia me dito que ela não gostava de ler. Em pouco tempo percebi que ela se sentia intimidada porque tinha um pouco de dificuldade durante a leitura em voz alta. Em apenas uma semana a mãe veio me agradecer, dizendo que eu fizera um milagre.
Larissa gostava muito de cinema. Durante as leituras ela sempre se lembrava de algum filme ou desenho animado visto recentemente. Como mediadora, procurei usar esse interesse para enriquecer a experiência com a leitura e propus a ela que criasse um flip book . E o que essa garota fez em um bloquinho, tornou-se a metáfora perfeita para ilustrar a importância da leitura compartilhada.
Tudo começou com duas flores, uma em cada canto da página. Com o passar das páginas, as flores se aproximavam até se fundirem no centro e se transformarem em uma única flor com o dobro do tamanho. Então um vento forte sopra, as pétalas voam e caem sobre a terra. De cada pétala origina-se uma nova flor. Muitas flores se formam e tomam conta da página toda.
Percebi que o que aprendi com minha avó e o que transmiti para minha filha havia se transformado em um belo jardim, sempre florido. E que cada vez que uma pétala nossa cai no chão uma nova flor vem ocupar um espaço que antes estava vazio.

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